Evento discutiu o panorama atual do mercado no Brasil e no mundo, políticas públicas e regulamentação, além de debates sobre biofertilizantes, bioinoculantes e biodefensivos sob o ponto de vista de pesquisadores, usuários e indústria
Com o objetivo de fomentar a discussão sobre as oportunidades de negócio do mercado de bioinsumos e apresentar um panorama atual do Brasil e do mundo, foi realizada a primeira edição do Fórum Bioinsumos no Agro, nesta segunda (16/10), na sede da Fiesp, em São Paulo (SP). O Ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro participou da abertura do evento, que contou com a participação de 600 pessoas, e foi promovido pela Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), CropLife Brasil, Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Fávaro declarou que está pleiteando ao Presidente da República que seja feita uma alteração no decreto presidencial que regulamentou os bioinsumos para incluir uma cadeira para o setor empresarial, especialmente a indústria, no Conselho Estratégico do Programa de Bioinsumos. “Assim poderemos, a exemplo deste evento, debater melhor o setor. Certamente os bioinsumos terão um grande papel no futuro do agro brasileiro, mas este crescimento deve ser embasado em ciência e debates. O nosso País tem competência para caminhar para um futuro e garantir cada vez mais a liderança na produção de alimentos, sempre com sustentabilidade e segurança alimentar”.
Segundo o presidente do Conselho Superior do Agronegócio da FIESP (COSAG), Jacyr Costa, que também preside o Conselho Consultivo do Fórum Bioinsumos no Agro, o crescimento dos bioinsumos no Brasil em uma taxa acima da registrada mundialmente mostra a posição de vanguarda do País nesse setor. “Contamos com uma biodiversidade que poucos países têm, além de institutos de pesquisa públicos e a iniciativa privada que vêm desenvolvendo um papel fundamental na área de bioinsumos”.
Para incentivar o crescimento, o vice-presidente de Relações Institucionais do Sindicato Nacional de Produtos para a Defesa Vegetal (Sindiveg), João Sereno Lammel destacou a importância da regulamentação do setor. “A regulamentação é fundamental para estimular o investimento das empresas nessa área para que possam continuar desenvolvendo novidades e produtos que garantam o crescimento continuado no futuro do segmento”.
O presidente da CropLife Brasil, Eduardo Leão, pontuou que o Brasil hoje se destaca como o maior aplicador de produtos biológicos em larga escala no mundo, em áreas abertas. Só no controle de pragas e doenças, o País cobre mais de 20 milhões de hectares. “Se considerarmos os últimos quatro anos, a expansão foi de 60%, quatro vezes maior do que ocorre no resto do mundo”. Para que esse crescimento se consolide, Leão disse ser fundamental um ambiente regulatório que garanta produtos eficazes e seguros no mercado. “Não basta ser natural, é preciso ser eficiente e, o mais importante, é preciso ser seguro para o meio ambiente e para o ser humano. Vale ressaltar que o ambiente de bioinsumos, pelos diferentes níveis de complexidade, é um dos mais regulados do mundo e o Brasil deve acompanhar de forma coerente a depender do tipo e risco de matéria-prima biológica”.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia e Nutrição Vegetal, Abisolo, Roberto Levrero, afirmou que a expansão na utilização dos bioinsumos na produção agropecuária vem contribuindo para a consolidação da produção sustentável de alimentos, proteínas, fibras e combustíveis. “Em 2019, a Abisolo fez o primeiro levantamento mercadológico sobre biofertilizantes. Para nós era muito importante entender o que esse segmento representava para o setor. E a grata surpresa foi que os biofertilizantes e os produtos que contêm biofertilizantes nesse primeiro levantamento representaram um faturamento de R$ 2,1 bilhões”, frisou Levrero. Um segundo levantamento apontou que em 2022 o faturamento foi de R$ 4,8 bilhões e de 2019 para cá, o crescimento foi de 32 % ao ano, sendo a percepção de valor pelos agricultores a maior justificativa para esse crescimento. “Os resultados de produtividade e de qualidade são evidentes e o aumento da adoção desses produtos só vai aumentar”, projetou.
O vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (FAESP), Tirso Meirelles salientou que São Paulo está se consolidando como um centro de excelência de alta tecnologia de bioinsumos, com a participação de startups, para que se possa atender os produtores rurais de forma on-line com inteligência artificial.
Panorama do mercado de bioinsumos
O primeiro painel do Fórum contou com uma apresentação do panorama do mercado brasileiro e mundial de bioinsumos feita pelo diretor da Kynetec para a América Latina, André Dias e a visão da indústria a respeito desse mercado pelo diretor Comercial da Koppert Brasil, Gustavo Herrmann.
Segundo Dias, em 2018, o mercado global de bioinsumos era de aproximadamente US$ 4 bilhões e as projeções indicavam um crescimento ao redor de US$ 11 bilhões em seis safras. O mercado brasileiro movimentou na safra 22/23 montante de US$ 20 bilhões em bioinsumos, um crescimento de 12% de faturamento, muito acima dos 4% estimados para o mercado global. O Brasil também registrou um crescimento de 9% da área tratada com bioinsumos na safra 22/23 ante 3% registrado na safra 17/18, o que posiciona o País como altamente eficiente na produção com o uso dessas tecnologias.
O diretor comercial da Koppert Brasil, Gustavo Herrmann destacou que o mercado nacional cresce mais rapidamente do que o internacional em razão, principalmente, da agricultura extensiva. “O Brasil é sine qua non quando se fala de proteção de plantas, mas isso torna o desafio do controle biológico ainda maior, pois precisamos, em alguns momentos, substituir ou complementar os defensivos químicos e mudar o mindset do produtor para que ele trabalhe mais a favor da natureza e não contra”. Ainda, segundo Herrmann, as tendências mostram que os biológicos serão em breve 50% do mercado de proteção.
Políticas públicas: aspectos atuais e perspectivas
O segundo painel teve como debatedores a diretora de Bioindústria e Insumos Estratégicos da Saúde do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Cleila Guimaraes; o secretário de Defesa Agropecuária Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), Carlos Goulart; e o diretor executivo de Pesquisa e Inovação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Clenio Nailto Pillon, com moderação do vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Arnaldo Jardim.
Cleila Guimaraes, do MDIC, destacou que o marco regulatório brasileiro, no que concerne ao setor de agro, é complexo e precisa ser atualizado considerando a dinâmica das inovações tecnológicas. “Seria interessante aplicar ao setor agro a reestruturação das práticas regulatórias, implementando a Guilhotina Regulatória”, defendeu. A Guilhotina Regulatória é um mecanismo de reforma do marco regulatório que promove a simplificação administrativa por meio da identificação e revogação de atos normativos obsoletos. Seu objetivo é retirar do Estoque Regulatório as normas que não têm mais validade por meio da publicação de um instrumento revogador único, tornando o acervo mais enxuto, organizado e acessível. Outra boa prática, citada por Cleila, seria a adoção de Análises de Impacto Regulatório (AIR) antes da proposição de novas normas.
“Considero a Guilhotina Regulatória e as AIRs boas práticas para regular o setor. É fundamental a ampliação do corpo técnico dos agentes regulatórios e sua atualização periódica. Somando-se a isso, o Estado deveria realizar com uma certa periodicidade a elaboração de roadmaps, utilizando dessas metodologias para definir estratégias, políticas e atualizar os marcos regulatórios com periodicidade definida. Isso traria mais segurança jurídica para os investimentos em inovação tecnológica”, acrescentou a diretora do MDIC.
Para Clenio Pillon, da EMBRAPA, o tema é muito desafiador, já que, nos anos 90, os biológicos não tinham a atenção necessária. “Hoje ninguém tem dúvidas de que o futuro da agricultura será pautado em uma base biológica, o que não significa o abandono dos defensivos químicos. O interessante é que possamos integrar cada vez mais as diferentes soluções para produzir com eficiência e baixo custo. Químicos e biológicos têm um papel importante e acreditamos em uma sequência de evolução, mas para isso é fundamental que sigamos investindo em ciência no Brasil”.
Já Carlos Goulart, do MAPA, pontuou que a regulação aplicada para os bioinsumos no Brasil é saudável, visto que o País lidera o mundo em crescimento e uso de biológicos. “Isso não seria possível se a regulação não permitisse. Hoje 100% de toda a indústria que está aqui tem uma única reclamação unânime ao Poder Executivo: o tempo de demora entre peticionamento e liberação de registro de base química. A falta de comunicação assusta a sociedade civil, que pensa existir um excesso de registros e que todos os produtos registrados estão em uso na produção de alimentos”, alertou.
Para Goulart, a questão mais urgente e que todos os elos da cadeia, Governo, produtores, usuários do produto e quem oferta concordam é a necessidade de uma regulação e o estabelecimento do rigor sobre ela.
Biodefensivos
O terceiro painel, dedicado aos Biodefensivos, foi moderado pelo CEO do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CECAFÉ), Marcos Matos e teve a apresentação do professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Paulo Arruda e do Líder de Agronomia e Geração de Demanda Brasil e Paraguai da CORTEVA, Fabricio Passini.
Para Marcos Matos, o setor lida diretamente com as exigências dos clientes em tempos de ESG (Environmental, Social and Governance). “Com as novas regras de desmatamento na Europa, eliminação e limite máximo de resíduos, surgiram muitas questões regulatórias as quais o Brasil precisou atender. Hoje somos referência em sustentabilidade e nosso País é considerado líder mundial no tema bioinsumos, seja biodefensivos ou biofertilizantes. Existe muita pesquisa adicionada a estes produtos sendo colocadas em teste nos campos”, frisou o moderador.
Para ilustrar, Matos detalhou que o café brasileiro é carbono negativo, menos 1.63, porém, quando o produtor utiliza melhores práticas com os bioinsumos e biomassas, esse índice passa de 1.63 para menos 10.5 toneladas de dióxido de carbono emitidos. “Isso mostra como o Brasil tem um enorme potencial para avançar no uso dos bioinsumos e na descarbonização”.
As novas tecnologias no mercado de biológicos foram debatidas pelo professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Paulo Arruda, que trouxe uma visão acadêmica, evidenciando que o crescimento apresentado no setor é decorrente de décadas de pesquisas realizadas independente de investimentos privados e que ajudaram o Brasil a alcançar o atual status de relevância. “Nessa trajetória, os microrganismos surgem como elementos-chave para uma agricultura sustentável, maximizam a produtividade e a resiliência das plantas ao promover aquisição nutricional, tolerância à seca, defesa contra patógenos e hormônios vegetais”.
De acordo com o professor, entre os anos de 1950 e 2023, foram publicados 169.597 trabalhos em revistas científicas, 92% sendo nos últimos 10 anos. Até 2022, mais de 400 produtos foram registrados para uso como controle biológico no Brasil. No entanto, esse número compreende apenas 30% dos microrganismos identificados no meio. “Existem ainda uma infinidade de microrganismos importantes com potencial superior às soluções já existentes no mercado”.
Fabrício Passini evidenciou a importância do mercado biológico para a CORTEVA como o futuro da agricultura, destacando também o potencial dos bioestimulantes, que pode aumentar ainda mais a produtividade. “Globalmente investimos todos os anos US$ 1,6 bilhões em pesquisas, sendo parte desse valor destinado à área de bioinsumos. Nossos esforços são para garantir que estes produtos tenham uma entrega consistente e comprovada cientificamente, pois eles precisam ser resilientes às diferentes condições climáticas do mundo. Para isso, é preciso levar ao produtor rural mais conhecimento, entregando soluções complementares para agregar na produtividade final”, detalhou Passini.
Biofertilizantes e Bioinoculantes
O quarto painel contou com a moderação do presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), Caio Carvalho, e teve a presença do professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Átila Mógor, seguido pelas apresentações do diretor Executivo da Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII), Sólon Cordeiro de Araújo e do professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), Fernando Andreote.
Ao abordar o papel dos biofertilizantes na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, o professor Átila Mógor relembrou que o estresse abiótico, causado por elementos não vivos, como o clima e déficit hídrico, principalmente nos períodos de estiagem na fase reprodutiva, foram os principais responsáveis pelas quebras de produção de soja, ocorridas no Brasil entre as safras 2015/2016 e 2019/2020. Entretanto, a planta tem capacidade de se readaptar de algumas formas, seja pelas enzimas ou pelo acúmulo de compostos nas células. “Os biofertilizantes também têm o potencial de mitigar os efeitos do estresse abiótico, pois contêm ingredientes ativos e/ou agentes orgânicos promotores de bioatividade, isentos de substâncias agrotóxicas e de microrganismos capazes de atuar diretamente ou indiretamente no metabolismo das plantas”, explicou Mógor.
O diretor da ANPII, Sólon Cordeiro de Araújo abordou os ganhos econômicos da utilização de inoculantes. “Na cultura de soja, temos hoje duas formas de fornecer o elemento nitrogênio para as plantas: por meio do fertilizante químico, principalmente a ureia, e via inoculante. No caso de uso apenas da ureia, o custo adicional para o agricultor gira em torno de R$ 800,00 por hectare, no entanto, se utilizar o inoculante, o custo será aproximadamente R$ 70,00 por hectare. Se transformamos essa informação em ganho para o País os números serão absurdos”, projetou Araújo.
Atualmente, 70% do fertilizante nitrogenado usado no Brasil no cultivo de soja é importado, conforme explicou o executivo da ANPII. Neste cenário, se houver uma troca de ureia por inoculantes, a economia pode chegar a U$$ 12 bilhões anualmente para o Brasil.
Também neste painel, o professor ESALQ/USP, Fernando Andreote abordou a importância dos bioinsumos na construção e na recuperação da fertilidade dos solos.
“O Brasil caminha ao lado do mundo para buscar maneiras de melhor empregar os processos microbianos em diversos segmentos, seja na saúde humana, no meio ambiente ou do solo e agricultura. O nosso País é muito grande e se destaca no tema biodiversidade e, exatamente por isso, precisamos revisar nossa legislação no futuro para acomodar as inovações e conceitos tecnológicos que surgem nas diversas pesquisas realizadas no mundo”. Segundo o professor, no futuro haverá maior desenvolvimento em tecnologias em bioinsumos, necessidade de uma legislação mais abrangente e os avanços em treinamento e conhecimento dos usuários para expandir o uso dessa tecnologia.
O encerramento do evento contou com a apresentação do professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Roberto Rodrigues e do diretor Titular do Departamento do Agronegócio da Fiesp, Roberto Inácio Betancourt.
“Ao abordar um tema amplamente discutido em todo o mundo, o Fórum Bioinsumos no Agro nos deu a oportunidade de nos aprofundarmos nos desafios e oportunidades deste mercado que está crescendo muito. A segurança com o trabalho com bioinsumos é fundamental, por isso a legislação precisa ser completa e moderna, que nos permita avançar e garantir a segurança absoluta do trabalho realizado”, destacou Roberto Rodrigues.
“É um orgulho ver o Brasil liderando esse processo, unindo com maestria produtividade e sustentabilidade. Acredito que estamos com uma oportunidade gigante para as startups e empresas. Além disso, os bioinsumos são uma ferramenta que nos aproximam do consumidor final, no sentido de saúde, preservação do planeta e uma vida melhor. O setor está unido, procura tecnologia, sustentabilidade e quer assumir esse protagonismo em nível global”, finalizou Betancourt.